INADIMPLÊNCIA DE ICMS – HIPÓTESE DE CONFIGURAÇÃO DE CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA

Até recentemente o não recolhimento de ICMS em operações próprias, devidamente declaradas ao fisco, não caracterizava a hipótese de crime, mas apenas inadimplemento fiscal, pelo menos esse era o entendimento da maioria dos Tribunais pátrios. No entanto, a maioria dos ministros do STF, em sua composição plena, ao julgar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 163.334/SC, passou a entender que, mesmo tendo o contribuinte declarado o débito do ICMS, o crime é caracterizado pela apropriação indébita tributária, que é o ato de declarar o imposto devido ao Fisco, mas não o recolher.

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF) “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990”

Essa decisão passou a repercutir no mundo jurídico, pois se antes a inadimplência propiciava que a Procuradoria de cada estado deflagrasse a execução fiscal, hoje o Ministério Público de cada Estado da Federação, inclusive do Distrito Federal, também passou a deflagrar o Procedimento de Inquérito Policial contra os sócios administradores da empresa contribuinte.

Importante entender que o sujeito passivo da possível ação penal será o sócio gerente da empresa, ou seja, aquele que está a frente da administração do estabelecimento empresarial e o suposto crime possui natureza formal e somente passa a existir após a constituição do crédito tributário, ou seja, há necessidade de que as discussões administrativas já tenham se encerrado e o ente estatal credor expeça a CDA (Certidão de Dívida Ativa) em desfavor da empresa.

As denúncias apresentadas pelo Ministério Público, na sua grande maioria, têm apontado que, nesses casos, tem-se por configurado o crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, comumente chamado de apropriação indébita tributária, que prevê que o crime ocorre quando o contribuinte deixa de recolher, no prazo legal, o valor do tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito do assunto, senão vejamos:

(…) “Na caracterização dos crimes contra a ordem tributária, é suficiente a demonstração do dolo genérico. Assim, é inviável a pretensão baseada na necessidade de demonstração do dolo específico. ( AgRg no REsp n. 2.030.115/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 9/3/2023.)
(…) “Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para o delito previsto no inciso II do art. 2.º da Lei n. 8.137/80, não há exigência de dolo específico, mas apenas genérico para a configuração da conduta delitiva. […]. ”(AgRg no REsp 1867109/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 04/09/2020)

Além da pena de reclusão, há também a imposição de multa, que pode equivaler de duas a cinco vezes o valor do tributo inadimplido, de forma que o valor da dívida poderá, no mínimo, ser duplicada.

Convém lembrar que o contribuinte poderá parcelar o débito tributário, mas recomendamos que isso ocorra antes do oferecimento da denúncia, quando poderá obter a suspensão da pretensão punitiva estatal e assim o fazendo, a ação penal (caso já tenha sido instaurada) ou o Procedimento de Inquérito Policial ficarão sobrestados (suspensos) até que se ultime o pagamento integral do débito tributário.

Ainda, e isso parecer ser importante, O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC 163.334/SC, passou a considerar, para fins de incidência do tipo penal em questão, a demonstração da contumácia delitiva e o dolo de apropriação. Merece relevo, nessa breve digressão, a figura da contumácia, que se mostra claramente evidenciada pela prática de mais de uma conduta consistente em declarar e não efetuar o pagamento do tributo devido, o que é suficiente para caracterização do dolo de apropriação e para configuração da conduta prevista no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90.

Aqui, quando se trata da contumácia, por certo que o não pagamento do ICMS por uma única vez, a nosso ver não se trata de uma conduta dolosa. No entanto, analisando as inúmeras decisões dos egrégios Tribunais, a respeito, não é possível afirmar, com convicção, quantas vezes serão necessárias para a configuração da contumácia delitiva. A média que apuramos é que não havendo o pagamento (apropriação indébita tributária) por seis meses, consecutivos ou não, já se mostra presente a contumácia, muito embora em alguns escassos julgados há entendimento de que a contumácia pode ser observada no caso de não pagamento por três vezes do mencionado tributo estadual.

Por isso, volta-se à decisão proferida no citado RHC, quando o seu relator, Ministro ROBERTO BARROSO, no que se refere à conceituação do “devedor contumaz” expôs que a decisão não se aplica a “quem deixou de pagar o ICMS eventualmente num momento de dificuldade, ou pulou um mês, dois meses, até três meses” mas sim quando “o devedor contumaz, que não paga quase como uma estratégia empresarial, que lhe dá uma vantagem competitiva que permite que ele venda mais barato do que os outros, induzindo os outros à mesma estratégia criminosa”.

Na mesma linha, veja-se recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando, ao analisar o caso concreto, onde o devedor deixou de pagar por 12 (doze) vezes o ICMS declarado, de forma consecutiva:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME TRIBUTÁRIO. ICMS DECLARADO E NÃO PAGO. CONTUMÁCIA DELITIVA E DOLO DE APROPRIAÇÃO. DOZE AÇÕES ILÍCITAS EM CONTINUIDADE DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O STJ entende ser típica a conduta de deixar de repassar ao fisco o ICMS indevidamente apropriado. (…) 2 . A contumácia delitiva e o dolo de apropriação foram estabelecidos com base nas doze ações delituosas praticadas em sequência, circunstância que não se coaduna com a tese da inexigibilidade de conduta diversa. 3. Cada período mensal de apuração do ICMS declarado e não pago configura uma ação ilícita. Na hipótese, foi constatado o inadimplemento de doze exações, o que caracteriza a continuidade delitiva. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 760.150/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 19/4/2023.)

(…) “O Tribunal de origem destacou a reiteração das condutas que, no período de fevereiro de 2016 a janeiro de 2017, foram praticadas por 11 (onze) vezes, o que é suficiente para caracterização do dolo de apropriação e para configuração da conduta prevista no art. 2°, II, da Lei n. 8.137/90, o que se mostra em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior e do STF. (AgRg no REsp n. 1.960.845/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 30/6/2022.

Passadas as coisas, assim, é bastante salutar que, quando a empresa passar por alguma dificuldade financeira ocasional e não possuir recursos para recolher o ICMS declarado, orienta-se que busque a orientação de um Advogado, que certamente lhe auxiliará na busca da melhor solução jurídica, a fim de evitar-se, além da deflagração da execução fiscal, a abertura de um Inquérito Policial para apurar o suposto crime de apropriação indébita tributária.